Decisão do STF sobre doações aguarda voto de ministro há um ano
BBC
Brasil 2 horas atrás
Ministros do STF levam, em
média, um ano para concluir análises de ações, de acordo com estudo da FGV
Há exatamente um ano o ministro Gilmar Mendes
paralisou a votação no Superior Tribunal Federal (STF) de uma ação que pode
proibir doações de empresas para candidatos e partidos políticos.
Em 2 de abril de 2014, Mendes pediu vista da ação,
procedimento que serve para o juiz analisar melhor a questão em debate antes de
proferir seu voto.
Essa demora não é algo fora do comum. Embora o
regimento do STF dê um prazo de até 30 dias para que um ministro conclua o
pedido de vista, não há sanções para o desrespeito da norma – que acaba sendo
descumprida rotineiramente.
Um estudo da FGV apontou, inclusive, que o tempo
médio que os ministros do Supremo levam para concluir análises do tipo é de
quase um ano.
A demora de Mendes, porém, vem sendo alvo de duras
críticas e levou até a criação de um movimento na internet, o #DevolveGilmar.
Uma petição online cobrando que o ministro profira seu voto tinha 91 mil
assinaturas até a tarde de quarta-feira.
Dois fatores alimentam a revolta:
A ação em questão é uma ADIn (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) que pede que o STF responda: doações de empresas a
candidatos ferem à Constituição Federal?
A OAB sustenta que sim porque, na opinião da
entidade, o financiamento de candidatos e partidos políticos por empresas
desequilibra a disputa eleitoral, dando poder desproporcional ao capital
privado de influência sobre os rumos do país. Esse tipo de doação "torna a
política completamente dependente do poder econômico, o que se afigura nefasto
para o funcionamento da democracia", afirma a Ordem.
Já votaram a favor do entendimento da OAB os
ministros Luiz Fux (relator do caso), Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e
Joaquim Barbosa (então presidente da corte, antes de se aposentar). Após Mendes
pedir vista, antes do encerramento da sessão, Marco Aurélio e Ricardo
Lewandowski anteciparam seus votos, posicionando-se também pela proibição de
doações de empresas. O ministro Teori Zavascki é até o momento o único que se
manifestou contra a ADIn.
"Decidi antecipar meu voto porque era
presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na época e considerei
importante concluir imediatamente o julgamento (a tempo das eleições). É o que
eu digo sempre: no colegiado, vence a maioria, né? Não podemos tomar uma
matéria como uma questão pessoal. Ali deve vingar a impessoalidade", disse
Marco Aurélio em entrevista à BBC Brasil.
"Há um prazo (para concluir o pedido de
vista). Mas prazo sem sanção, não é prazo, né? Acaba que fica na concepção de
cada qual", acrescentou.
'Processos
que se perdem de vista'
Desde 2004, o regimento do STF define que, após o
processo ser remetido ao gabinete do ministro que pediu vista, ele terá dez
dias, renováveis automaticamente por mais dez, para concluir sua análise. Caso
não o faça, teria que apresentar uma justificativa para requerer mais dez dias.
Quando criada, a norma foi jocosamente descrita
como "iniciativa para impedir que os processos se percam de vista",
mas a regra acabou não "pegando".
Campanhas na internet criticam
demora de Mendes e pedem que ele finalize sua análise da ação movida pela OAB.
Um estudo da Escola de Direito da FGV do Rio
analisou a atuação dos ministros de 1988 até 2013 e concluiu que, entre os
pedidos de vista devolvidos até aquele ano, o tempo médio que os ministros
levaram para retornar o processo com seu voto foi de 346 dias.
Um dos professores responsáveis pelo estudo
"Supremo em Números", Ivar Hartmann, diz que na prática cada ministro
tem um poder de veto.
"Qualquer ministro que não queira que o caso
seja julgado pede vista e, pelo tempo que ele quiser, suspende esse processo.
Isso tem um impacto: se um ministro não gosta da posição de outro, pode pedir
vista e esperar o outro se aposentar", explica.
"Se o entendimento dele é contra a ADIn, por
exemplo, ele não precisa angariar votos, tentar convencer os outros, basta que
ele segure o processo por vários anos e, quando isso voltar à pauta, não haja
mais condições de o caso ser julgado", nota ainda.
Durante o período pesquisado pela FGV, 2.987
pedidos de vista foram feitos, dos quais 124 nunca haviam sido devolvidos.
Entre os casos mais longos sem desfecho está a ADIn movida pelo PT em 1996
contra dispositivos da lei 9.295/96, que regulava o setor de telecomunicações
após sua privatização no governo FHC.
Marco Aurélio foi o primeiro a pedir vista em março
de 1997, seguido do ministro Maurício Correa em abril do mesmo ano. Em junho de
1998 foi a vez de Nelson Jobim, que já se aposentou.
Hoje não há mais condições dessa ação ser julgada,
nota Hartmann, porque todo o setor de telecomunicações já se desenvolveu sobre
essa estrutura legal.
"Gilmar está jogando o jogo segundo as regras
que os próprios ministros criaram, na minha opinião, de maneira ilegal. O que
lamentável é que essas regras foram estabelecidas informalmente, não é o que
está no regimento do STF", crítica Hartmann.
O professor da FGV diz que, embora seja comum os
juízes justificarem a demora afirmando que há uma carga alta de trabalho
(muitos processos para julgar), o levantamento não confirmou esse tese.
Falta
de controle e transparência
Para o presidente da Associação Juízes para a
Democracia (AJD), André Augusto Bezerra, casos como esse de Gilmar Mendes
decorrem da "falta de transparência do Judiciário em geral e do Supremo em
particular".
Ele nota que o problema acaba sendo mais grave no STF
porque lá os ministros não estão sujeitos ao mesmo controle dos juízes de
primeira instância, contra os quais podem ser feitas queixas nas corregedorias
de Justiça e no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
"Em tese, o ministro pode sofrer um
impeachment, mas isso é muito mais complicado", afirma.
Como medida para evitar esse problema, Bezerra
defende que os ministros sejam obrigados a justificar detalhadamente o motivo
da demora.
"Num Estado de Direito, toda pessoa que
trabalha para o Estado tem que justificar seus atos, principalmente aqueles que
tem um poder grande de decisão", argumenta.
A indignação gerada pelo escândalo da Petrobras, de
onde recursos teriam sido desviados para financiar partidos por meio de
empreiteiras, dá ainda mais urgência à questão, avalia o juiz.
"Um caso como esse - a sociedade assiste a
denúncias de corrupção, referentes a campanha, que envolve diversos partidos -
no mínimo há uma obrigação moral do ministro em apreciar a causa com mais
urgência", cobra.
Por
que Mendes não vota?
Declarações do próprio ministro indicam que ele já
tem um voto formado e que o motivo da demora é deixar que o próprio Congresso
decida sobre o assunto.
"Isso é matéria do Congresso por excelência.
Alguém já imaginou o Supremo definindo qual vai ser o sistema eleitoral? Se vai
ser um sistema misto (de eleição dos deputados), se vai ser um sistema
majoritário? A partir daí é que se define como é que vai ser o financiamento.
Até porque isso é complexíssimo. Esses dias, o Renan (Calheiros, presidente do
Senado) disse que nas eleições municipais chega a ter 500 mil candidatos no
Brasil. Como você distribui o dinheiro?", afirmou Gilmar Mendes no mês
passado.
Atualmente, há uma Comissão Especial na Câmara de
Deputados que analisa uma proposta de reforma política. Alguns partidos,
liderados pelo PT, querem a proibição das doações de empresas, enquanto outros
defendem que essa forma de financiamento seja mantida, com algumas restrições.
O PMDB, que atualmente presidente o Senado e a Câmara, propõe, por exemplo, que
cada empresa só possa doar para um partido - hoje elas podem fazer repasses
para todos ao mesmo tempo, se quiserem.
"Como o financiamento de campanha será um dos
objetos da reforma política no Congresso, é possível que ele esteja segurando
para que não haja uma interferência do Poder Judiciário sobre o Poder
Legislativo", afirma o jurista Ives Gandra, ressaltando que não chegou a
conversar com Mendes sobre isso.
Para Gandra, o ministro não está fazendo nada de
errado. O jurista considera que os prazos previstos no regimento do STF são
apenas uma indicação, não uma obrigação. "O Código de Processo Civil prevê
que o juiz tem dez dias para decidir após a última audiência, e nenhum juiz
decide em dez dias", observou.
Especialista em contas eleitorais, o ex-presidente
da Transparência Brasil Claudio Abramo também entende que é o Congresso que
deve decidir sobre o assunto e considera "totalmente descabida" a
ação movida pela OAB.
"Se o STF vai lá e diz que é inconstitucional,
no dia seguinte o Congresso vai incluir na Constituição (por meio de uma PEC)
dizendo que pode sim (haver doação de empresa)", afirmou.
Ele vê, porém, uma consequência positiva da
iniciativa da OAB: se Mendes devolver a ação e ela for encerrada, ao menos o
Congresso terá que agir e considerar mudanças no atual sistema. A expectativa
de Abramo é que - pressionado – o Congresso aprove o financiamento de campanha
por empresa, mas restrita a valores baixos. Esse limite, na sua opinião,
reduziria o poder das empresas sobre os políticos.
"Um dos benefícios dessa ação totalmente
descabida é que vai forçar o Congresso a ter uma posição a respeito. E pelo que
eu vi, essa ideia de limitar (as doações), é algo que está sendo
discutido", afirmou.
A BBC Brasil procurou Mendes para comentar o
assunto por meio de sua assessoria há duas semana, mas não obteve retorno.