Era uma vez um país corrupto
Era uma vez…
Num distante ponto do planeta, um país chamado Pau.
Dominado por uma elite branca corrupta, Pau nunca quis saber de igualdade.
Majoritariamente negro, Pau tem um senado com 80% de homens brancos.
Dos 81 senadores, 47 já foram ou são investigados por algum tipo de malfeito.
Todos eles votam contra a corrupção.
Pau é um lugar diferente.
Até uma social-democracia mequetrefe, baseada numa dose de assistencialismo e noutra de compromisso com os ricos, parece comunismo puro aos olhos dos conservadores de Pau.
Depois de alguns anos de pequena redistribuição de renda, a elite de Pau foi para o pau.
Arranjou um pretexto para derrubar a presidente do país.
Que pretexto? A corrupção. Assunto por demais conhecido dos donos de Pau.
Durante a sua última longa ditadura militar, a corrupção foi resolvida do modo genial e definitivo: a imprensa foi proibida de falar dela. Num passe de mágica, deixou de existir.
E foi assim que corruptos derrubaram, sob acusação de corrupção administrativa, a presidente.
Fizeram isso com ajuda da velha mídia, sempre presente em golpes, que convenceu a parte mais crédula da população de algo incrível: nunca teria havido tanta corrupção em Pau.
Para confundir e assustar os incautos, a oposição e a mídia sacudiram três espantalhos: corrupção, comunismo e incompetência. Pavimentaram a passagem para o futuro com material do passado.
A presidente foi afastada por ter praticado tudo que seus opositores sempre fizeram.
Só que não valia mais.
O passado tinha sido anistiado.
O presente virara crime.
A mudança da regra aconteceu no momento mais conveniente para a oposição, que, no julgamento da presidente, atuou – com objetividade, neutralidade e isenção – como acusador e juiz.
Em Pau, presidente é julgado jurídica e politicamente. Mas não é preciso provar o crime que se imputa ao acusado se ele for presidente da República. Em crimes comuns, sim.
Outra regra de ouro de Pau é a seguinte: a parte que se considerar lesada pode recorrer à Suprema Corte, que se julga tudo, até o lugar onde deve sentar cada um, menos o mérito da questão.
Mérito é coisa tão importante que não cabe recurso.
Se A, a parte interessada, diz tal coisa e B, a parte acusada, discorda, basta que A tenha maioria para vencer. Não cabe análise pela corte suprema da validade das alegações de A.
E foi assim que Pau se tornou uma das mais adiantadas repúblicas democráticas do planeta.
Uma das poucas onde golpe atende pelo nome de impeachment.
Em Pau, república presidencialista, derruba-se presidente por voto de desconfiança, como no parlamentarismo, mas não se convoca nova eleição. Assume o vice conspirador.
Pau é um lugar barroco.
Um híbrido de todas as coisas que não funcionam em outros lugares.
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