Até as baratas sabem que a corrupção no
Brasil tem por base o financiamento empresarial de campanha.
A chave para entender essa relação
promíscua é a célebre tirada liberal: não existe almoço grátis.
Quem paga a conta passada, cobra
serviços e favores futuros.
O Senado aprovou uma reforma eleitoral
boa demais para ser levada a sério.
Acabou com o financiamento empresarial,
liquidou as coligações nas proporcionais, que alimentam as siglas de aluguel e
permitem a eleição de candidatos menos votados do que outros, e estabeleceu uma
barreira ao acesso aos recursos do fundo partidário. Só nove partidos passam
nessa peneira.
A Câmara de Deputados derrubou tudo.
E piorou a situação criando o
financiamento empresarial oculto. A empresa doará para o partido sem que se
possa saber em qual candidato botou o seu dinheiro. Era o sonho dos políticos:
receber dinheiro de empresas sem que o eleitor possa identificar a relação
direta entre um candidato e uma pessoa jurídica.
Adeus à possibilidade de provar que o
candidato A é financiando pela empresa B para defender seus interesses. O
candidato fica protegido. Recebe do partido. É um faz de conta que salva da
cadeia.
Eduardo Cunha manipula o antipetismo,
fundamento ideológico dos pedidos de impeachment contra Dilma, e fica
autorizado a destruir a República pelos bons serviços prestados ao golpismo.
PMDB e PSDB fomentam o golpe, fingem
lutar contra a corrupção e, como todos, são beneficiados por um novo sistema
que fortalece o toma-lá-dá-cá entre empresas e políticos e salva os eleitos de
qualquer responsabilidade. Quem responde é o partido. É a consagração do “eu
não sabia”.
Eduardo Cunha é o que o Brasil tem de
pior.
Severino Cavalcanti era oásis de
moralidade perto de Cunha.
Ferrou!
Hoje tem audiência pública sobre a
Operação Zelotes na capital gaúcha. É a investigação, sob a responsabilidade do
procurador Frederico Paiva, que trata do pagamento de propinas por empresas
para economizar com a Receita Federal. Na lista estão empresas gaúchas: RBS,
Gerdau e Marcopolo. A RBS teria pago R$ 15 milhões por fora para não ter de
entregar R$ 150 milhões ao fisco. O rombo apurado pela Zelotes bota o da
Lava-Jato no chinelo: mais de R$ 600 bilhões. Tenho acompanhado de perto, como
jornalista, a Zelotes. Já fizemos entrevista no Esfera Pública, da Rádio
Guaíba, com o procurador Paiva.
Eu fui o primeiro a informar, no
twitter, que um gaúcho seria citado na rede da Zelotes. Sabia que era Augusto
Nardes, ministro do Tribunal de Contas da União, o homem que quer pedalar Dilma
Rousseff da presidência da República para alegria da oposição. Eu soube disso
logo depois das diligências feitas na pacata cidade de Santo Ângelo.Por
prudência jornalística, dei as pistas, mas não o nome, em seguida citado pela
revista CartaCapital, pelo blogue Cafezinho e depois noticiado pelos jornais O
Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. A mídia tentou, mas não conseguiu
guardar a notícia no cofre.
A Zelotes mexe num pulgueiro. Muita
gente boa acha que sonegar não é crime. Nas manifestações verde-amarelas contra
Dilma, em março, abril e agosto, havia cartazes defendendo que sonegar é ato de
legítima defesa. O assunto dificilmente chega às manchetes dos telejornais
globais. Mesmos os parlamentares não se ocupam dele. A grande exceção é
deputado gaúcho Paulo Pimenta (PT).
Felizmente o juiz Ricardo Augusto
Soares Leite – que sentava em cima de todas as demandas do Ministério Público,
como o pedido de prisão de 26 suspeitos – foi substituído. O procurador
Frederico Paiva não estava com a “sorte” de contar com um juiz Sérgio Moro. Por
que será?
Terá a ver com o fato de investigar
poderosas empresas de comunicação?
Seis empresas integram a lista das
favoritas para constar na relação das primeiras denunciadas pelo Ministério
Público. A RBS e a Gerdau estão entre elas. Os céticos garantem que nenhum
grã-fino conhecerá um par de algemas nem as instalações de uma prisão ao estilo
paranaense. O buraco seria mais embaixo ou muito mais acima. O Brasil tornou-se
um país tragicômico. Chora-se e ri ao mesmo tempo. Convulsivamente.
Investigadores são investigados. Moralistas não têm moral. Controladores de
contas passam a ser controlados pela análise do que passaram ou apagaram.
Ninguém parece escapar. O olhar da mídia, contudo, é bastante seletivo. O
bacana seria juntar a Zelotes e a Lava-Jato numa purificação total da nação. Os
que se entusiasmam com a Lava-Jato tendem, contudo, a não sentir tesão pela
Zelotes.
A Lava-Jato detonou a relação dos políticos
com as empreiteiras. A Zelotes traz à tona as nada republicanas relações de
empresas de ramos variados com intermediários para sangrar o tesouro nacional
pela burla à Receita Federal. Sem políticos na jogada, a mídia perde um pouco
do interesse pela novela. Com mídia na parada, o resto do interesse vai pelo
ralo. Sonegar é como estupro. Cadeia.
Chegará o tempo utópico de ver atrás
das grades os que sonegam impostos?
Fico perplexo quando me acusam de ter
partido.
Durante muitos anos, fui rotulado de
direitista.
Os petistas faziam abaixo-assinado
contra mim.
Fui o primeiro a escrever Lulla.
Em outro campo, fui colorado na
infância.
Depois, quando era repórter no Grêmio,
virei tricolor.
Voltei a ser colorado.
Agora, sou ex-colorado. Por quê? Porque
nunca consegui ser clubista. A verdade me importa mais do que a filiação.
Sou infiel. Anarquista epistemológico.
Admiro o tradicionalismo gaúcho pelo
seu caráter de agregador social. É Michel Maffesoli na veia: lógica do
estar-junto, da vibração em comum, cultura do sentimento, cimento social,
compartilhamento, comunhão, tribalismo, pós-modernidade.
Mas não aceito a ideologia conservadora
subjacente. Como historiador, que estudou a Revolução Farroupilha como poucos,
tendo debulhado 15 mil documentos e dissecado, como ninguém, a traição aos
negros em Porongos, não posso negar o passado.
Não poderia o estar-junto tribal
existir sem um mito fundador do passado?
Na política, vejo o Brasil atolado: PT,
PMDB, PP, DEM e PSDB se equivalem. Critiquei o mensalão e, ao mesmo tempo,
apontei os casuísmos do julgamento comandado por Joaquim Barbosa como a teoria
do domínio do fato, que permite condenar por ilação. Quero condenações globais.
Questiono: por que o mensalão tucano não é julgado? Busco coerência.
Quero os mesmos parâmetros para todos.
Critiquei o governo Tarso Genro por não
pagar o piso do magistério.
Critico o governo Sartori por atrasar
os salários do funcionalismo podendo não fazer isso.
Defendo os salários em dia do
funcionalismo, mas sou a favor de mudanças na previdência estadual.
Todos devem ter o mesmo regime de
previdência, até o teto do INSS mais aposentadoria complementar para quem
quiser.
Sou a favor do aumento de impostos
proposto por Sartori e da volta da CPMF desejada por Dilma.
Defendo um Estado forte, mas não me
oponho à privatização de empresas estranhas ao papel do Estado.
Acho que o governo Dilma se atolou e
que o PT deu os doces. O Brasil precisa refundar quase todos os seus partidos.
Até os nomes dessas siglas precisam
desaparecer.
Mas até agora não vi provas que possam
determinar o impeachment da presidente Dilma. Sou legalista, garantista,
objetivista e desconfio do ativismo jurídico, do subjetivismo ideológico e da
política que se toma por moralismo.
Abomino a corrupção petista, tucana,
peemedebista, democrata, pepista e outra mais. Aplaudo as políticas sociais dos
últimos anos. Em educação, foi uma revolução inclusiva. Nunca tantos pobres e
não brancos tiveram tanto acesso à universidade.
Aceito todos os pontos de vista, mas
não posso legitimar o uso da corrupção como mecanismo ideológico para derrubar
Dilma não pelos ilícitos possíveis do seu partido, mas por ódio às políticas
sociais herdadas dos governos Lula.
Derrubem Dilma pela corrupção, se
houver provas da sua responsabilidade, não pelo bolsa-família, pelas cotas e
pelo ProUni.
Sou múltiplo, complexo, polissêmico,
plural, eclético, independente, espacial, transoceânico, o máximo.
O governador José Ivo Sartori disse que
de vaca morta não se tira leite. O Rio Grande do Sul é a vaca morta. Até o
governador do Maranhão está tirando onda com nossa crise: não quer que o seu
Estado se transforme num Rio Grande do Sul. A declaração de Sartori dá o que
pensar. Vamos por partes no esquartejamento do animal. Das duas, uma: o
candidato Sartori elegeu-se sem saber que a vaca tinha morrido e sem plano para
ressuscitá-la, o que é muito grave, ou estava muito consciente da situação e
tem um plano para encarecer o preço do leite que passa pela morte da vaca ou
por fazer crer que ela bateu as botas.
Em outras palavras, Sartori sabia de
menos ou sabe demais.
Eleger-se sem projeto para fazer a vaca
voltar a dar leite ou sem saber da morte da vaca equivale a tratar a população
como rebanho. Nesse sentido, o eleitor estaria encurralado. Votou numa suposta
solução e agora fica sabendo que o problema era desconhecido do candidato. Se
isso for verdade, o cidadão só tem algo a exclamar:
– A vaca foi pro brejo e morreu mesmo.
A outra possibilidade não é melhor. O
candidato conhecia o estado de saúde da vaca e tem uma solução: declarar que
ela está morta para forçar um tratamento de choque capaz de ressuscitá-la à
custa da saúde coletiva. Se para fazer a vaca ficar novamente de quatro e dar leite
for preciso deixar a população por algum tempo sem segurança, saúde e educação,
o “doutor” de plantão topa a parada. Trata-se de um tratamento radical com a
ingestão de doses cavalares, se o termo não for incompatível com a metáfora
bovina, de leite contaminado. Digamos, uma espécie de vacina. O paciente reage
ou se entrega de vez. O estranho do tratamento é que, por um lado, ele parece
pretender atacar a causa, como deve ser, mas sem qualquer preocupação com os
sintomas. Pela reforma estrutural, cujos efeitos são de longo prazo, não se
preocupa com a dor de cabeça imediata.
Por outro lado, parece usar as dores de
curto prazo como instrumento para forçar soluções de longo prazo. Acontece que
o doente quer parar de sentir dor imediatamente e se curar. A sensação que dá é
bizarra: Sartori quer leite sem vaca? Ou pretende tirar mais leite de uma vaca
reencarnada? O homem comum tem uma única pergunta:
– Como fazer para a vaca voltar a dar
leite?
Os leiteiros do governador sonham com
diminuição do tamanho do Estado, privatizações, mudanças na previdência do
funcionalismo público e aumento de impostos. Há quem diga que aumentar impostos
é a melhor maneira de enterrar de vez a vaca atolada. O que vai rolar nesse
campinho? Não adianta fechar a mangueira e jogar a chave na lagoa. Se a vaca
está morta, dá para ouvir o berreiro da população sem leite. Espera-se do
vaqueiro que ela saiba fazer o animal se levantar e dar leite. Até agora, o
governo não mugiu nem tugiu com clareza. Fustiga a vaca, aperta-lhe as tetas ou
puxa-a pelo rabo. No meio dessa confusão toda, com a vaca estatelada, o governo
faz cara de paisagem. Será que está escondendo o leite para ganhar mingau?
**FALTA A COLUNA DE HOJE DO CORREIO DO POVO ( Aderindo ao Golpe)