“Pode ter descumprido o que prometeu. Pode ter maus bofes. Pode ter
cavado a própria cova. Mas, num mundo político esmerdeado de alto a baixo,
Dilma não tem nódoa. Não roubou, e será julgada por muitos ladrões”. Leia
abaixo a íntegra do texto do jornalista Mario Sergio Conti
Eduardo Cunha comanda o processo de impeachment na Câmara dos Deputados
Em
artigo publicado nesta terça-feira na Folha de S.Paulo,
o jornalista Mario Sergio Conti afirma que a presidente Dilma Rousseff
transmitiu a convicção de que é inocente.
“Pode
ter descumprido o que prometeu. Pode ter maus bofes.
Pode ter cavado a própria cova. Mas, num mundo
político esmerdeado de alto a baixo, Dilma não tem nódoa. Não roubou, e será
julgada por muitos ladrões”, diz.
“Pedaladas
fiscais? Ninguém sabe o que é isso, e quem sabe garante que prefeitos,
governadores e presidentes primam por pedalar. Empresas venais deram dinheiro
para a sua campanha? Fizeram o mesmo com todos os candidatos.
Afundou
o país na recessão? Nada diz que Temer irá tirá-lo do poço.
Não
há fiapo de prova de que tenha obstruído a Justiça”, acrescenta
No
entanto, ele questiona sua permanência no governo: “crise foi tão longe que o
carisma da integridade pessoal não garante, por si só, a permanência de Dilma
no poder. Continua a lhe faltar um programa. Quer continuar no Planalto para
quê?”.
Leia a íntegra do texto de Mario Sergio Conti
abaixo:
Agora que os ratos debandam do navio, na busca
incansável do bem da pátria, de negócios maneiros e da nomeação de uma sobrinha
para miss na Festa do Jerimum, o naufrágio soa inevitável. Mas alardear certeza
na queda da presidente é apenas uma poção para paralisar o Planalto.
A frente única Fiesp-tucanos-Vem pra Rua se
consolidou e quer meter medo. A Medusa diz aos governistas: vocês já eram, a
hora é de trair, salve-se quem puder. Dilma, faça como Jango e se coagule em
esfinge de mármore. PT, repita o Partido Comunista e se limite a berrar
bravatas.
Trombetear que a história punirá os golpistas, por
exemplo, é bravata. Nenhum deles foi tirado da santa paz. Nunca. É o que de
fato a história ensina. Nem em 1930 e 1937. Nem em 1964 e 1968. Nem, de quebra,
em 1984, quando a Câmara vetou o voto direto para presidente.
A avacalhação da vontade popular foi docemente
tolerada. Inclusive pelo PT. Como o partido garantiu a impunidade de policiais
e militares assassinos, os autoritários estão agora todos aí, serelepes.
O Dia D será o da votação do impeachment. Ele se
dará em data no mês de abril o, a depender dos ardis de Eduardo Cunha, o Impoluto.
Haverá até lá delações vulcânicas, teorias
conspiratórias e conspiração para valer. Virão mais
manifestos e abaixo-assinados.
O bate-boca a todos engolfa. A cacofonia que emana
do Planalto não escapa aos ditames da sociologia clássica. Apolítica continua a
ser exercida das três maneiras cardeais. A tradicional, a legal e a
carismática.
No modo tradicional, Dilma é a líder maior. Ela tem
legitimidade porque foi votada para gerir o Estado. Na prática, a presidente
vem nomeando capadócios para postos-chaves do Estado, em troca de votos contra
o impeachment. O troca-troca tradicional, de corrupção implícita, é usado
explicitamente.
No aspecto legal, o exercício do poder é enquadrado
pelas instituições encarregadas de aplicar a Constituição. Ao contrário do que
dizem políticos sem nada a dizer, não há judicialização da política, e sim
politização da Justiça. O Supremo fará o que for decidido pelo cenáculo de
varões de Plutarco, a Câmara. A separação entre os Poderes é uma lenda
iluminista.
O terceiro elemento político é o carisma, e o da
presidente é escasso. Nas suas falas recentes, porém, ela foi tomada por uma
calma contundente. Levou frases até o fim sem interpolar sujeito, verbo e
objeto. Não hesitou nem gaguejou. Na falta de marqueteiros a lhe atazanarem,
foi clara.
Transmitiu a convicção de que é inocente. Pode ter
descumprido o que prometeu. Pode ter maus bofes. Pode ter cavado a própria
cova. Mas, num mundo político esmerdeado de alto a baixo, Dilma não tem nódoa.
Não roubou, e será julgada por muitos ladrões.
Pedaladas fiscais? Ninguém sabe o que é isso, e
quem sabe garante que prefeitos, governadores e presidentes primam por pedalar.
Empresas venais deram dinheiro para a sua campanha?
Fizeram o mesmo com todos os candidatos. Afundou o
país na recessão? Nada diz que Temer irá tirá-lo do poço. Não há fiapo de prova
de que tenha obstruído a Justiça.
A crise foi tão longe que o carisma da integridade
pessoal não garante, por si só, a permanência de Dilma no poder. Continua a lhe
faltar um programa. Quer continuar no Planalto para quê?
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